Origens

Origens

Este artigo foi escrito com base em textos de autoria do acadêmico e professor Geraldo Wilson da Silveira Gonçalves* (In memoriam), presidente da Academia Brasileira de Reumatologia (1996-1998). Foi publicado no primeiro site da ABR, demonstrando todo o seu carinho pela instituição, a sua erudição, conhecimento e talento.

Surge uma academia

A história não é tão somente uma sequência de fatos, se não que se acompanha dos faustos de que se originaram e dos sentimentos que inspiram. Além do mais, se trata de vetustos deles, como os da Antiguidade Grega, de tantos deuses e de tantas lendas, a cada passo, mito e realidade se confundem.

Dentro do âmbito de tais pensares, tiveram origem as academias. Conta-se que Dióscoros, Castor e Pollux, filhos de Júpiter, desceram a Península Áttica, em busca da irmã Helena, de estonteante e provocadora beleza, que havia sido raptada por Theseus.

As buscas foram auxiliadas incansavelmente pelo herói grego Akademus, a quem por tais favores, foi pelos deuses assegurada a intocabilidade de seus domínios, cerca de Athenas. Nestes, foi edificado um templo dedicado a Atheneia, a deusa da sabedoria e da inteligência, em torno de cujo altar se dispunham doze oliveiras sagradas, que se incorporariam à heráldica de todos os tempos. Cercava-lhes jardim de inenarrável beleza, o jardim de Akademus.

Chega-nos a realidade de que ali reunia-se Platão para suas discussões filosóficas e de seus “diálogos”, origem de sua famosa Escola, que seria a primeira academia e guardaria seu nome e que nasceu, assim, da inteligência, da sabedoria e da beleza; e de raízes míticas, em as quais se caracterizariam a fraternidade, a solidariedade e a lealdade.

Seguir-se-iam centúrias de estudos sobre matemática, dialética, ciências naturais e até preparo de estadistas; até que, no ano de 529, o imperador romano Constantino, podou-lhes o caminho e a trajetória.

Mas, o que nasce dos deuses não pode fenecer. E as academias voltaram com o renascimento, ante a necessidade de novos conhecimentos, nas ciências quanto nas ideias. Neste momento, nosso presidente Lipe Goldenstein revive e revitaliza as tertúlias, formas então usadas para discutir ciências e artes e os caminhos a perlustrar. A medicina estava entre os misteres da Academia de França, estabelecida em 1635, por Luiz XIII, e vinda de entidade privada.

O renascimento brasileiro chegou-nos, sem dúvida, ainda que tarde, com a vinda de Dom João VI, que haveria de transformar uma entidade também privada, a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, em Academia Imperial de Medicina que, com a República tomaria a atual designação. Assim que, por decreto de oito de maio de 1835, a oficializou, com propósitos assim definidos: “promover a ilustração, o progresso e a propagação das ciências médicas e socorrer gratuitamente os pobres, favorecendo e velando pela conservação e melhoramento da saúde pública. “Outros tempos e ideias se sucederiam nos avanços médico-sociais, na criação de sociedades médicas, sindicatos, ordens e conselhos de medicina”.

Mas, continuam as academias em sua posição intangível e até insubstituível e uma messe extensa e inspiradora. As academias poderão ser o último reduto, onde encontram as condições institucionais e as disponibilidades individuais – de cultura, de independência e de motivação – para que possam assumir posição vanguardeira nesse cometimento, doutrinando, esclarecendo, orientando, assessorando e reivindicando, sem timidez, o papel que irretorquivelmente lhes deve caber, de órgão participante das discussões e decisões que, em qualquer plano, envolvam a atividade médica, mesmo especializada.

Essa é a definição e a identidade das academias, tanto quanto da Academia Brasileira de Reumatologia. E que cabe a cada um dos acadêmicos o exercício de seus caminhos, na fraternidade e na solidariedade, no culto de nossos princípios e na salvaguarda de nossos valores maiores, éticos, morais e científicos-culturais; criaremos então, irreversivelmente “spirit de corp”, e a ninguém caberá privar-nos de direitos inalienáveis, no concerto associativo da especialidade.

* O Ac. Dr. Prof. Geraldo Wilson da Silveira Gonçalves (In memorian) foi professor de Reumatologia da Universidade Federal do Ceará. Presidente da Academia Brasileira de Reumatologia (1996-1998). Presidente da Academia Cearense de Medicina (1994-1996). Depois de 15 anos de pesquisas históricas escreveu ‘Reumatologia Brasileira, Precursores e Pioneiros’, publicado pela Casa de José Alencar, Fortaleza, 1996. É o livro base de vários textos do site da Academia Brasileira de Reumatologia.