WILSON FRANCISCO LAPA
PATRONO CADEIRA 39
Wilson Francisco Lapa faleceu em Porto Alegre, no dia 13 de novembro de 2019, aos 97 anos. Natural de Pelotas (RS), formou-se pela Faculdade de Medicina da UFRGS, em 1952. Como ele mesmo contou: “Já engatinhava nela quando estudante, aplicando anestésicos nas cirurgias da Santa Casa”, antes da existência da anestesiologia como especialidade.
Foi professor auxiliar de Reumatologia na então Fundação Faculdade Católica de Porto Alegre, desde o início da cadeira até a aposentadoria compulsória aos 70 anos e também na PUC-RS; e professor na disciplina de Reumatologia nos Cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Ciências da Saúde do Instituto Porto Alegre (IPA). Especializou-se também em Acupuntura, pela Escola de Saúde Pública do RS e em Geriatria e Gerontologia, pela PUC-RS.
Os que tiveram a sorte de conviver com o professor Lapa guardarão dele a candura, sua humildade, educação e cultura. Era um amante do saber, tinha paixão pelo inusitado, venerava o conhecimento. Demonstrava um prazer jovial em compartilhar descobertas, leituras, curiosidades mínimas e grandes histórias.
Da vasta experiência no contato com pacientes, desde tempos iniciais, as lembranças de uma prática que rivalizava com as benzedeiras e os justa ossi (arrumadores de osso), nas colônias no interior de Santa Catarina, São Ludgero, Braço do Norte… A mesma didática aplicada nas aulas cintilava em qualquer conversa informal; a verve professoral impunha-se e, dedo em riste, em visível e contagioso deleite, esgrimia, em palavras e gestos, filigranas conceituais, numa impostação que, embora bem construída e com uma argumentação lúcida e peculiar, tinha um quê de peraltice. No estilo de suas tiradas espirituosas, definia-se como um “geronto” feliz.
Nos anos em que estive à frente do Boletim da Sociedade Brasileira de Reumatologia, foi um privilégio tê-lo como um entusiasmado colaborador. Fazia questão de me antecipar o tema da “próxima” crônica e, quando a enviava, frisava que se submeteria à minha avaliação como editor, antecipando sua concordância caso não fosse publicada: “Se não der, não te preocupa Fernando, afinal, lata de lixo também é destino”. Mas nunca foi esse o lugar de seus textos impagáveis. Escrevia sobre etimologia das palavras, origem de termos e epônimos médicos, buscava explicações sobre as nossas articulações em pernas de lagartos e a beleza nas flores do Flamboyant e numa provocação, misto de homenagem a uma afeição em comum, aventurou-se em alfarrábios na busca das origens da iguaria mais que perfeita: o pastel de feira e seu primo-irmão, o de rodoviária.
Patrono e membro titular da nossa Academia Brasileira de Reumatologia (ABR), era, na minha avaliação, um “verdadeiro” acadêmico. Erudito sem ser afetado, quando saía para passear com algum latim na coleira, fazia-o com propriedade e o viés humanista vestia bem, em costura correta e alinhamento. Na reunião da ABR durante a Jornada de Gramado, em 2005, apresentou uma conferência sobre o “Pé”, tema sujeito a rasteiras e espinhos, e foi de um brilhantismo memorável.
Não perdia encontros científicos e a oportunidade de frequentar jornadas e congressos, mesmo quando a idade já lhe pesava. E nunca deixou de ler. Nos últimos dias manifestou o desejo de conhecer melhor a biografia de Lampião. Em mais um gesto de dedicada atenção e afeto, a professora Therezinha Cotrim Roussenq conseguiu encontrar um exemplar numa das nossas remanescentes livrarias. Ele não chegou a ler, mas levou para a viagem.
Wilson Francisco Lapa foi, sobretudo, um homem bom.
Obrigado, professor! Gentes há bastante, mas não passa de dúzia os Doze Pares de França.
Texto: Fernando Neubarth
Porto Alegre, 14 de novembro de 2019
Publicado no Boletim da SBR, edição de out/nov/dez 2019