A dama da reumatologia pediátrica

A dama da reumatologia pediátrica

Por José Marques Filho, acadêmico titular da Cadeira 42.

O passar dos anos e a maturidade aumentam nossos defeitos e acentuam nossas qualidades.
Não sei de quem é esse aforismo, mas gosto muito dele.
Uma de minhas qualidades, que tem se acentuada com os anos, é a gratidão e a reverência aos meus mestres.
Em meus textos e apresentações tento seguir o postulado pelo nosso mestre maior, o Pai da Medicina – … estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou está arte… E foram tantos e tão importantes!
Mas uma professora em particular me marcou profundamente.
Quando atendo uma criança com enfermidade reumática, sua figura discreta e elegante surge em minha mente, como um anjo da guarda, com a mesma discrição e elegância de sempre, como que para ajudar e proteger o clínico de adultos a atender um infante.
Neste momento, a figura da professora Wanda fica muito nítida em minhas memórias do tempo de internato no P.S de adultos e de crianças na vetusta e inesquecível Santa Casa de São Paulo.
A professora nunca negou a sua ajuda e sabedoria, quando a chamávamos para discutir um caso nestes locais.Lembro perfeitamente de vários casos, principalmente, daqueles com manifestações iniciais de algumas doenças, de difícil diagnóstico, como a valvulite e a miocardite reumática aguda e a coreia de Sydenhan.
A tranquilidade com que ouvia a história, a elegância do cuidadoso exame físico que realizava e a demonstração dos sintomas e sinais para nós em inicio de treinamento, jamais serão esquecidos por aqueles que tiveram esse privilégio.
Figura doce e carismática. Falava baixinho, com o charme de uma mulher beirando os 50 anos, generosa e elegante, chamando a todos nós, os alunos, os pais e a criança, por seus nomes.
Foi uma importante pioneira da Reumatologia Pediátrica no Brasil, criando uma escola própria e uma infinidade de discípulos espalhados por nosso país.
O texto que transcrevo abaixo foi escrito por uma grande amiga, discípula da professora e respeitada professora de Reumatologia Pediátrica da Universidade Estadual de Londrina (PR), a Dra. Margarida de Fátima F. Carvalho:
“A Dra. Wanda Alves de Bastos formou-se pela Universidade Federal do Paraná em 1955.
Durante a faculdade demonstrou interesse especial pela disciplina de Psiquiatria, mas, ao passar no estágio de Pediatria acabou descobrindo ali a sua vocação.
A Dra. Wanda e seu esposo, Dr. Joel Bastos, logo após a formatura, foram para São Paulo e começaram a trabalhar no Departamento de Pediatria da Santa Casa de São Paulo como pediatras gerais.
A professora sempre demonstrou interesse especial no cuidado de crianças com doenças reumáticas e, por isso, contava com o apoio do médico reumatologista da instituição, Dr. Gil Spilborghs, que passava visita semanalmente nos leitos de pediatria, discutindo os casos e recomendando condutas, que eram depois conduzidas pela Dra. Wanda.
Na ocasião, o chefe do Departamento de Pediatria da instituição, Dr. Paulo de Barros França, após uma viagem de estudos aos Estados Unidos, recomendou que os médicos do Departamento deveriam dedicar-se individualmente a uma especialidade pediátrica, tendência que ele observou em vários serviço importantes de Pediatria daquela país a exemplo do que já ocorria na Clínica Médica, inclusive no Brasil.
Com o incentivo do Dr. França e o auxilio do Dr. Gil Spilborghs, fundou o serviço de Reumatologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo na década de 1960 e foi sua coordenadora durante muitos anos e, mesmo após sua aposentadoria, trabalhou como voluntaria na instituição por mais quatro anos.
Vale ressaltar aqui, que salvo iniciativas individuais de alguns médicos brasileiros, o serviço de Reumatologia Pediatria da Prof. Wanda foi o primeiro estruturado em nosso país.
Há dez anos, por problema de saúde, não está mais clinicando, mas continua ativa, estudando e se atualizando, o que fez durante toda a sua vida acadêmica e profissional, participando de congressos de Pediatria e de Reumatologia como organizadora e/ou palestrante.
Escreveu vários capítulos de livros e publicou importantes artigos da especialidade. É responsável pela formação de várias gerações de reumatologistas pediátricos, a maioria atuando na cidade e no estado de São Paulo e, também em outros estados do país, inclusive com a criação de novos serviços de Reumatologia Pediátrica que se tornaram referências no atendimento a crianças e adolescentes com doenças reumáticas”.
Finalizando esta breve homenagem à “Dama de Reumatologia Pediátrica Brasileira” expresso aqui a minha gratidão, pela colaboração, a duas amigas especiais: a professora Margarida, que me enviou o texto supracitado e a professora Silvana B. Sacchetti, que chefia, atualmente, o Serviço de Reumatologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo, com a mesma eficiência, elegância e leveza de sua grande mestra.

José Marques Filho
Reumatologista e doutor em Bioética. Acadêmico titular da Cadeira 42.